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OAB 1° e 2° fase

20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa e sua importância para os direitos e prevenção à violência

Última atualização em 20/02/2024
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No dia primeiro de outubro, comemoramos o aniversário de 20 anos do Estatuto da pessoa Idosa. Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003. A proposta de lei foi originalmente apresentada pelo senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, quando era ainda deputado federal. No Brasil, há um número cada vez maior de pessoas idosas (com 60 anos ou mais de idade). São cidadãos usuários dos serviços sociais, de saúde, de proteção e que precisam ter os seus direitos garantidos.  

A menor mortalidade de pessoas em todas as idades e a diminuição de nascimentos resultam em um aumento; não só no número absoluto de idosos, como também na proporção desse grupo em relação à população brasileira. Informações publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o aumento da população idosa tem mudado o formato da pirâmide etária em relação ao ano de 1980. Essa mudança será ainda mais significativa em 2060, quando aproximadamente 1/3 da população brasileira será de pessoas idosas, 

O avanço da ciência, não só prolongando a vida dos doentes, mas curando doenças consideradas graves ou letais, as políticas públicas de vacinação e de imunização, o acesso à informação e a consequente queda na taxa de natalidade nas famílias, contribuíram para que ocorresse tal fenômeno na atualidade, ou seja, o mundo está envelhecendo, o Brasil está envelhecendo, transformando-se em um “país idoso” A aprovação da lei (que até 2022 era chamada de Estatuto do Idoso) foi um marco de grandes avanços com relação aos direitos da pessoa idosa.  

No Brasil, para tanto, a Constituição Federal de 1988, logo em seu artigo 1º, declara que são princípios fundamentais da República Federativa do Brasil a cidadania e a dignidade humana, conforme os incisos I e II, estipulando, ainda, que um dos objetivos fundamentais da República é o de promover o bem de todos, sem preconceito ou discriminação em face da idade, de origem, de raça, do sexo, da cor e de quaisquer outras formas de discriminação, consoante seu artigo 3º, inciso IV. Já no seu artigo 230, prevê que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas.  

Posteriormente, com a aprovação do Estatuto do Idoso, criado pela Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, o legislador procurou regular a previsão constitucional, definindo quem é o idoso e estabelecendo medidas de proteção, inclusive na parte criminal, buscando a efetiva proteção contra a violência, inclusive através de políticas de atendimento para os familiares que as cometem, principalmente para os que possuem dependência de drogas e álcool. 

O Estatuto, para alguns, passa a ser visto como um verdadeiro microssistema legal, até muito avançado para os padrões nacionais, determinando ao Estado, como um todo, e, principalmente, à sociedade, fazerem um trabalho de mudança de mentalidade, na busca da valorização do idoso, especialmente através da estrutura orçamentária para a efetivação de políticas públicas de proteção. 

Definiu quem é considerada pessoa idosa no Brasil, em seu artigo primeiro, assim estabelecendo:  pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. É um microssistema jurídico o qual tem em seu texto regras de direito privado, previdenciário, processual e penal. Traz regras claras e especiais com relação aos direitos à saúde, educação, cultura, direito a alimentos, esporte, lazer, trabalho, transporte e previdência social. Da mesma forma, estabelece regras com relação as medidas de proteção ao idoso e regras de como devem ser apresentadas e funcionar as entidades de atendimentos, as quais também são conhecidas como casas geriátricas ou asilos. Prioriza sempre a convivência da pessoa idosa com sua família, tanto nos cuidados e assistência social.  

O Estatuto da Pessoa Idosa possui função exclusivamente protetiva. O principal aspecto está na estruturação e construção de uma consciência política e social diante da necessidade de se fazer valer os direitos fundamentais dos idosos.  

Violência praticada contra a pessoa idosa 

A violência contra a pessoa pode acontecer de várias formas, desde a psicológica – que se manifesta através da negligência e pelo descaso – até as agressões físicas. 

São comuns os casos de filhos os quais batem nos pais, tomam seu dinheiro, dopam-nos, deixam-nos passar fome ou não dão os remédios na hora marcada, no chamado abandono material. Levantamento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos aponta que houve um aumento de 38% nos casos de violência contra pessoas idosas no primeiro semestre de 2023 em relação ao mesmo período do ano passado. Foram mais de 65 mil denúncias e o crescimento foi registrado em todos os Estados do Brasil e no Distrito Federal. O crescimento indica que há um conhecimento maior por parte das pessoas idosas, no sentido de como procurar ajuda.  

As violências mais denunciadas são a física, a patrimonial e a psicológica.1 A violência patrimonial acontece quando dizem respeito a disputas quanto ao patrimônio do idoso. O relato da violência física e psíquica geralmente é decorrência da tentativa de forçar o idoso a transferir suas posses em vida. O abandono também é outra violência frequentemente motivada por razões financeiras, sendo muitos simplesmente deixados em hospitais e asilos. É muito comum os filhos, dentre outros familiares, abandonarem seus pais e parentes próximos em asilos ou outras instituições os quais prestam atendimento aos idosos. 

As primeiras reações dos idosos, diante da violência, envolvem sentimentos de medo, vergonha e até mesmo culpa pelo fracasso das relações familiares. As marcas da agressão não são apenas físicas, mas também de ordem psicológica: baixa autoestima, depressão, sentimento de impotência. 

Importância das determinações do Estatuto da Pessoa Idosa no aspecto criminal 

Foram muito positivas as inovações trazidas pelo Estatuto da Pessoa Idosa, com relação à parte criminal. Não só criando tipos penais específicos, mas com determinações as quais facilitaram a denúncia da violência e punição para aqueles que praticam crimes contra estas pessoas. Dentre as principais podemos destacar inovações trazidas, principalmente quanto aos seus artigos 94 e 95, em seus principais aspectos: a) o art. 95 do Estatuto estabeleceu que todos os crimes contra as pessoas idosas são de ação penal pública incondicionada; b)  retirou a necessidade de a pessoa idosa representar contra seus agressores, em regra seus familiares; c) o artigo 95 do Estatuto determinou também que não se aplica a escusa absolutória prevista no artigo 181 do Código Penal; d)  aboliu a necessidade de representação prevista no artigo 182, aos crimes patrimoniais cometidos contra idosos; e) tanto os previstos no Código Penal (vedado pelo artigo 183 do Código Penal, alterado pelo próprio Estatuto) como no próprio Estatuto do Idoso.  

Esse é um ponto muito positivo do Estatuto da Pessoa Idosa, pois retirou o impedimento antes existente de que crimes patrimoniais cometidos contra idosos por seus familiares sejam punidos e de que necessite o idoso representar contra seus próprios familiares.  E em 2022 uma inovação legislativa muito positiva, que está no parágrafo terceiro do artigo 96 do Estatuto da Pessoa Idosa, que tipifica o crime de discriminação da pessoa idosa, com pena de reclusão de 6 meses a 1 ano e multa). Conforme o referido parágrafo terceiro do art. 96 do Estatuto:  § 3º Não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso.    

Inovação trazida pela lei 14.181 de 1º de julho de 2021 – conhecida por “Lei do Superendividamento”. Esta lei alterou vários artigos do Código de Defesa do Consumidor, e trouxe o parágrafo terceiro do artigo 96 do Estatuto da Pessoa Idosa, com o propósito de aperfeiçoar a disciplina de crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Acrescenta no parágrafo terceiro uma excludente de tipicidade, de que “não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso”.  

O superendividamento de pessoas idosas é uma triste realidade no Brasil. Para melhor compreensão do parágrafo terceiro do artigo 96, faremos a diferenciação do endividamento e superendividamento:  endividamento é um fato inerente à vida na sociedade de consumo, uma vez que, para consumir produtos e serviços, os consumidores estão constantemente se endividando. A dívida, em si, não compromete a capacidade de gestão financeira do consumidor, mas somente indica a existência de dívidas.  

Por sua vez, o superendividamento ocorre quando o excesso de endividamento compromete a dignidade do devedor. Além disso, pode ser considerado um efeito prejudicial e indesejado dessa mesma sociedade, conduzindo os consumidores à situação de vulnerabilidade.2 O superendividamento é a situação em que uma pessoa física, maior de idade, capaz, de boa-fé, está impossibilitada economicamente de pagar o conjunto de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas. Em outras palavras, pode-se afirmar que o superendividamento é caracterizado pelo estado de insolvabilidade do consumidor diante da manifesta incapacidade de adimplemento de dívidas de consumo (referência). 

São comuns relatos de superendividamento de pessoas idosas. Eles constituem uma população vulnerável no mercado de consumo e de crédito. Geralmente, a renda deles é constituída por benefícios previdenciários e assistenciais, tornando-os fortes candidatos ao acesso ao crédito facilitado, especialmente, o consignado, modalidade de empréstimo em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento do trabalhador ou do benefício previdenciário do aposentado. O que mais atrai as pessoas idosas para o crédito consignado são as taxas de juros menores que outras modalidades de crédito. Esse assédio ao crédito, aliado à ausência de educação financeira, coloca os consumidores idosos em potencial situação de risco para o superendividamento.3 

De acordo com dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), atualmente os idosos fazem parte do extenso rol que reúne sessenta e dois milhões de endividados, trinta milhões de superendividados, compondo núcleos familiares de consumidores responsáveis por sessenta e quatro por cento do PIB nacional (referência). Segundo levantamentos do mencionado Instituto, mais de cinco milhões de idosos estão endividados no País, a maioria por meio de empréstimos com o crédito consignado, oferecido a recém-aposentados por meio de práticas desleais, como assédio para contratação por telefone, perturbação do sossego com insistentes ligações, venda casada com pagamento de seguros e títulos de capitalização, entre outras.4 

Por isso, a importância do parágrafo terceiro do artigo 96 do Estatuto. Negar crédito para a pessoa idosa a qual está superendividada, ou seja, possui dívidas que comprometem à sua dignidade, quando não há possível solvência, não é considerado crime, pois a lei do Superindividamento, trazendo o referido parágrafo terceiro no artigo 96, trouxe uma excludente de tipicidade. 

Proteção aos idosos: compromisso de toda a sociedade

Frank Schirrmacher, em seu livro, A Revolução dos Idosos, faz uma análise do que muda no mundo com o aumento da população idosa. Ressalta que o envelhecimento é um fenômeno mundial e usa, para ilustrar essa realidade, a seguinte figura metafórica:  

É a experiência do trânsito na rua que nos é familiar desde a infância. A certa altura circulam pelas ruas só os mais novos modelos do ano e é exatamente essa sequência que nos transmite a sensação de que o tempo está passando. O Opel Record de 1962, o Gordine de 1968 e o Fusca são como números em um calendário. Conosco acontece o contrário: cada vez mais gente vive cada vez mais tempo com outras pessoas, o que faz parecer que o tempo parou. Muitos de nós conviveremos com nossos pais, avós e bisavós ao mesmo tempo. Pela primeira vez está ocorrendo algo que não foi previsto pela evolução e que por ela deveria com todos os truques mortais: um grupo não mais capaz de se reproduzir, que há muito cumpriu sua função biológica, que não pode mais ser renovado e está sendo colocado à disposição da natureza constitui a maioria em uma sociedade. Pela primeira vez na história, o número de idosos será maior que o de jovens5       

Ressalta o autor, ainda, que a humanidade está às vésperas de uma revolução econômica, política e cultural, motivada por uma modificação demográfica radical, justamente em face do envelhecimento rápido da população, afirmando que o mundo, no futuro, será um grande asilo de velhos.6 A população mundial passa pelo processo de envelhecimento, como até então não tinha ocorrido no mundo. Em poucos anos, várias gerações viverão simultaneamente, pois a população de idosos não para de crescer. “ 

Essa realidade demonstra a necessidade de serem efetivadas políticas públicas de proteção aos idosos. Nesse sentido, é imprescindível assegurar a proteção e ao mesmo tempo a dignidade da pessoa idosa, em especial contra a violência doméstica e familiar, como forma de prevenir e combatê-la. O Estatuto, para alguns, passa a ser visto como um verdadeiro microssistema legal, até muito avançado para os padrões nacionais, determinando ao Estado, como um todo, e, principalmente, à sociedade, fazerem um trabalho de mudança de mentalidade, na busca da valorização da pessoa idosa, especialmente, através da estrutura orçamentária para a efetivação de políticas públicas de proteção. 

Determina a referida legislação, aos entes estatais, a prioridade absoluta no trato com a pessoa, especificamente quanto a verbas orçamentárias, determinando-se que seja garantida, sempre, à sua dignidade. Proteger a pessoa idosa, é fazer valer a própria Constituição e o princípio da dignidade da pessoa humana, pois a importância e o valor do ser humano são um dos poucos consensos teóricos do mundo ocidental atual, consoante argumenta Barcellos7, pois “a dignidade da pessoa humana, o valor do homem como um fim em si mesmo é hoje um axioma da civilização ocidental e talvez a única ideologia remanescente”. 

O principal aspecto do Estatuto está na estruturação e construção de uma consciência política e social diante da necessidade de se fazer valer os direitos fundamentais do idoso, espelhado na realidade antes referida. A responsabilidade de atuação na proteção da pessoa, todavia não é só do Estado, mas, também, de toda a sociedade. 

Referências:  

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: O princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 

LÜDER, Amanda. Violência conta idoso cresce 38% no Brasil, diz levantamento. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/07/26/violencia-contra-idoso-cresce-38percent-no-brasil-diz-levantamento.ghtml .26/07/2023. Acesso em: 03 out. 2023. 

SCHIRRMACHER, Frank. A Revolução dos Idosos: o que muda no mundo com o aumento da população mais velha. Tradução de Maria do Carmo Ventura Wollny. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. 

 [SUPER]INDIVIDAMENTO DA PESSOA IDOSA: vamos falar sobre isso? Disponível em: https://s3.sa-east-1.amazonaws.com/files-site/cms/fed0f304-e99f-4e64-a688-72c18dc3cab7.pdf. 2021. Acesso em: 03 out. 2023. 

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